terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Cartas ao amigo João: O homem dos sete instrumentos ...

Olá João.

Nesta quadra Natalícia onde a família se junta e se fala do amor pelo próximo, não deixa de ser penoso recordarmos aqueles que nos deixaram, e de ti claro, eu não poderia deixar de o fazer.
Aqui estou a lembrar-me da nossa infância, que foi sofrida, e bastante critica. Como tu afirmastes várias vezes: “andávamos com a barriga colada às costas”, agora observo o contrário, mas isso são outras coisas… Como sei quanto adoravas no Flor aquele movimento teatral que lá fervilhava, venho lembrar-te mais alguns excertos da peça que Serafim Lopes e sua equipa tanto polarizou naquela sala.

Lembras-te de uma figura típica que às sextas-feiras passava por S. Mamede a caminho da feira de Santana? O povo chamava-lhe o homem dos sete instrumentos, pois ele tinha dois pratos amarrados aos pés, um bombo, uma harmónica pendurada ao pescoço, mais uma gaita-de-beiços, pois, contaste bem: faltava um. Na peça há neste quadro um homem que era sempre aperreado pelos miúdos, pois nos diziam para perguntarmos a ele onde estava o sétimo instrumento.
Serafim Lopes, que explica onde está o sétimo instrumento com uma indiscrição do rei David, descreve este quadro com uma invulgar ironia, que nos faz sorrir, quando o homem aparece naquela esquina do centro de S. Mamede, onde todo o mundo parece que passava, e alguém lhe pergunta se então hoje ele não canta, e o homem dos sete instrumentos começa assim:

TOCA BOMBO, TOCA GAITA
TOCA GUISO E CASTANHOLA
REI DAVID TOCOU HARPA
LARGOU UMA FARPA
E PEGOU NA VIOLA

Outra personagem pergunta:
PISTO! OLHE, Ó TIOZINHO……         
DIGA-ME CÁ, ESTÁ BONZINHO?.......
DOU SATISFAÇÃO
Á PREGUNTA INJUSTA
 SE ESTOU OU NÃO
 É Á MINHA CUSTA
 E É ATREVIMENTO
 METER O NARIZ
 NO CONHECIMENTO
 DUM DESINFELIZ

EU DIGO-LHE JÁ
QUE A FEIRA É P”RA LI
É TÃO DAQUI LÁ
COMO DE LÁ AQUI
VÁ ATRÁS SEMPRE ANDAR
DO NARIZ QUE TEM
E QUANDO ELE PARAR
VOCÊ PARA TAMBÉM

TOCA BOMBO, TOCA GAITA
TOCA GUISO E CASTANHOLA
REI DAVID TOCOU HARPA
LARGOU UMA FARPA
E PEGOU NA VIOLA           Acabe lá ó tiozinho com a cantiga

DEMORO MUITO A GASTÁ-LO
O FRASEADO QUE VÊ
COMECEI EM CASA A CANTÁ-LO
E NÃO VOU ACABÁLO EM VOCÊ  vou consigo ó tiozinho mas para a feira
E A DAR-LHE –EU BEM LHE DIGO
QUE É BURRO, POIS É
NÃO QUERO IR CONSIGO
QUE EU VOU BEM A PÉ
QUEM FOR CAVALEIRO
É BOM ENCONTRÁ-LO
ENGORDE PRIMEIRO
QUE VÃO LÁ COMPRÁ-LO….

É DE CARRINHO QUE VENS
LÁ NA FEIRA NADA ESCAPA:
É BAZAR DOS “TRES VINTENS”
TEM TUDO NA LAPA
QUE LÁ TUDO TENS….
OURIVES TRAMOIAS
QUE TÊM MAIS VALORES
EM OIROS E JOIAS
QUE A RUA DAS FLORES
TEM PRATASE OIROS
 MAIS COISAS P”PRÓ ROL
 RELÓJIOS DE SOL
 CORRENTES PARA TOIROS
 CEVADOS….. TAMBÉM

E era assim que a crataiada seguia todas as sextas-feiras aquela típica figura do homem dos sete instrumentos, onde só se contavam seis, e se ia até Santana.
Assim Serafim Lopes e seus colaboradores nos mostravam um caso em que brincando com as palavras, se retratava a vida dessa gente que de doenças e fome estavam fartinhos

Como alguém disse um dia, que uma imagem vale mais que mil palavras, e como as que referi apenas subsistem em nossas memórias, termino mostrando-te que apesar de toda as (r)evoluções, tantos anos depois, o homem dos sete instrumentos não só não desapareceu como continua a tocar por esse mundo fora...





     Custóias 27 Dezembro 2013

     José Mendonça

sábado, 7 de dezembro de 2013

Carta ao amigos João -“Bodas de Prata“ do Grupo Dramático


HOMENAGEM

Amigo, aqui me tens novamente, a recordar as coisas boas a que assistimos na nossa terra e das quais ainda hoje restam raízes através da célebre peça teatral de autoria de Serafim Lopes, pela qual ficamos conhecidos como sendo os da terra do Caldo e Broa.
Hoje, caro João, apresento-te mais um caso que demonstra que esta peça nem sempre é sinónimo de brejeirice. Destaco, então, uma passagem em que duas personagens se encontram e travam o diálogo que se segue.   
Infelizmente, este S. Mamede, apesar de todas as saudades e desgostos, tem por força da nomenclatura, de estar sempre “ IN FESTA “

Nesse ano de então, houve as “Bodas de Prata“ do Grupo Dramático, que foi uma festa de arromba! O tesoureiro, depois das bodas de prata dos bombeiros, não falando nos bodos, que compreende a cada boda, e que foi uma festa para os pobres, depois, no campo de futebol, a Festa de despedida do Barbosa e do Regado, regada no final por lauto copo de água. Houve, ainda, as Festas do Menino, a comunhão, etc. etc.. Mas a mais significava de todas de todas foi, sem dúvida, a Festa de homenagem ao benemérito, sr. Francisco Marques Pinto! E o personagem que ao lado se encontrava comentou:
Tudo isso foi justo e lindo, mas junta-se o personagem planeta destruidor estão bonzinhos... vou melhor! Graças ao Quim da Farmácia! Mas nesta maneira de ser muito nossa de ver as coisas, porque não se pensou ainda, homenagear a memória de um mamedense ilustre, que legou parte da sua fortuna ás criancinhas das escolas? Porque se tem esquecido esse Homem que se chamou Manuel António Santos Dias...?!
Era lição de justiça e gratidão, e tenho certeza que toda a gente, o povo humilde pelo menos, responderia à chamada, sinceramente, de coração nas mãos. E voltando-se para o público, diz assim:

Ó povo desta terra
O sentimento em pé
Responde em Alta Voz
SALVÉ

E se isto não bastasse, a sensibilidade do autor tornar-se-ia inquestionável atentos os versos que se seguem:

  S. Mamede está “IN” FESTA
    
Está S. Mamede em festa e sua gente
Na serena honradez do labutar…
Passa a vida a sorrir e a cantar
Põe S. Mamede “In” Festa, eternamente

Não há torrão ao sol que mais encante
E as belezas sem par que tu encerras
Hão- de encontrar poeta que as conte….
E o povo te alevante
À mais linda das terras…

S. Mamede de Infesta
Oh terra do nosso ideal
Alguém ilustre - já morto  –
Te chamou “Sintra do Porto”
- jardim de Portugal
        

Custóias, 29 Novembro de 2013           


José Mendonça