Amigo que és e continuarás a ser, estejas onde estiveres, concede-me a
graça de comigo recordar aquilo que vivemos e vimos representado na peça S.
MAMEDE ESTÁ IN’ FESTA. Apreciemos e desfrutemos do trabalho do autor da revista,
que tantas alegrias nos deu. Homem sensível à vida do povo, Serafim Lopes descreve
um quadro soberbo do que era o sofrimento desse povo, do qual ele próprio fazia
parte.
Naquele cruzamento da Rua
Godinho de Faria com a Avenida do Conde, onde se avista a Igreja de S. Mamede,
a vida era intensa. Ali havia sujeitos apelidados de ‘polidores de esquinas’
que passavam o dia com seus ofícios, os dois vendedores de jornais e cautelas e
ainda o engraxador. Juntos, além das tarefas para as quais estavam talhados,
também dirigiam o trânsito. A propósito, é da mais elementar justiça que se
reconheça que, graças a essas pessoas, inúmeros desastres se evitaram naquele
local.
Entretanto a peça fica
enriquecida com uma nova personagem, a de um rapaz com o ofício de construção
civil, com uma marmita numa mão, de onde tirou uma malga de caldo fumegante e
um pedaço de broa. À provocação de um dos presentes - “Vão duas sardinhitas?” –
respondeu o rapaz: “Ai as sardinhas tomara-as eu para mim, despediram-se por
essa barra fora, a sardinha agora manda ventarolas... julga-se pescada e é
pescada… à rede.” Caldo e broa...! E Deus, o dê sempre...
NUMA CASA HUMIDE E SÉRIA
ONDE MORE GENTE BOA
NUNCA PODE HAVER MISÉRIA
ENQUANTO HOUVER “CALDO E BROA”
PÃO DE MILHO LÁ SE COME
CALDO DE COUVES DA HORTA
PODE LÁ PASSAR A FOME
QUE NUNCA LHE BATE À PORTA
O CALDO E BROA
DEUS O ABENÇOA
NOS NOSSOS LARES
É UMA ALEGRIA
SE EM CADA DIA
NÃO FALTARES.
HÁ UMA CANÇÃO
QUASE ORAÇÃO
QUE O POVO ENTOA…
DEUS MATA A FOME À POBREZA
PONDO À MESA
CALDO E BROA.
CHEGA QUASE A SER RIQUEZA
VER NO LAR DE QUEM TRABALHA
CALDINHO E BROA NA MESA
QUANDO OUTRA LÁ FALHA
E O POBRE DIA
SUA VIDA ASSIM RESUME
TER NO PEITO UMA ALEGRIA
PÃO NA MESA E CALDO AO LUME
FICA BEM E NÃO DESTOA
P’ RA MANTER A FILHARADA
PÔR À MESA CALDO E BROA
E SE UM DIA CASA UM FILHO
DIZ-LHE A MÃE… Ó FILHO, OUVES?
TENHAS SEMPRE PÃO DE MILHO
E UM CALDINHO DE COUVES
Uma vez mais se vê que a forma encontrada por Serafim Lopes para
descrever a árdua vida da classe social então existente fez dele um fotógrafo,
com a objectiva focada na eternidade, não te parece?
Custóias 07 de Novembro de
2013
José Mendonça
Sem comentários:
Enviar um comentário