sábado, 9 de novembro de 2013

Cartas ao amigo João - Nunca pode haver miséria enquanto houver “CALDO E BROA”

Inauguração da linha do electrico em 1910 no cruzamento de São Mamede de Infesta


Amigo que és e continuarás a ser, estejas onde estiveres, concede-me a graça de comigo recordar aquilo que vivemos e vimos representado na peça S. MAMEDE ESTÁ IN’ FESTA. Apreciemos e desfrutemos do trabalho do autor da revista, que tantas alegrias nos deu. Homem sensível à vida do povo, Serafim Lopes descreve um quadro soberbo do que era o sofrimento desse povo, do qual ele próprio fazia parte.

Naquele cruzamento da Rua Godinho de Faria com a Avenida do Conde, onde se avista a Igreja de S. Mamede, a vida era intensa. Ali havia sujeitos apelidados de ‘polidores de esquinas’ que passavam o dia com seus ofícios, os dois vendedores de jornais e cautelas e ainda o engraxador. Juntos, além das tarefas para as quais estavam talhados, também dirigiam o trânsito. A propósito, é da mais elementar justiça que se reconheça que, graças a essas pessoas, inúmeros desastres se evitaram naquele local.
Entretanto a peça fica enriquecida com uma nova personagem, a de um rapaz com o ofício de construção civil, com uma marmita numa mão, de onde tirou uma malga de caldo fumegante e um pedaço de broa. À provocação de um dos presentes - “Vão duas sardinhitas?” – respondeu o rapaz: “Ai as sardinhas tomara-as eu para mim, despediram-se por essa barra fora, a sardinha agora manda ventarolas... julga-se pescada e é pescada… à rede.” Caldo e broa...! E Deus, o dê sempre...

NUMA CASA HUMIDE E SÉRIA
ONDE MORE GENTE BOA
NUNCA PODE HAVER MISÉRIA
ENQUANTO HOUVER “CALDO E BROA”
PÃO DE MILHO LÁ SE COME
CALDO DE COUVES DA HORTA
PODE LÁ PASSAR A FOME
QUE NUNCA LHE BATE À PORTA

O CALDO E BROA
DEUS O ABENÇOA
NOS NOSSOS LARES
É UMA ALEGRIA
SE EM CADA DIA
NÃO FALTARES.
HÁ UMA CANÇÃO
QUASE ORAÇÃO
QUE O POVO ENTOA…
DEUS MATA A FOME À POBREZA
PONDO À MESA
CALDO E BROA.

CHEGA QUASE A SER RIQUEZA
VER NO LAR DE QUEM TRABALHA
CALDINHO E BROA NA MESA
QUANDO OUTRA LÁ FALHA
E O POBRE DIA
SUA VIDA ASSIM RESUME
TER NO PEITO UMA ALEGRIA
PÃO NA MESA E CALDO AO LUME
              
EM CASA POBRE HONRADA
FICA BEM E NÃO DESTOA
P’ RA MANTER A FILHARADA
PÔR À MESA CALDO E BROA
E SE UM DIA CASA UM FILHO
DIZ-LHE A MÃE… Ó FILHO, OUVES?
TENHAS SEMPRE PÃO DE MILHO
E UM CALDINHO DE COUVES

    
Uma vez mais se vê que a forma encontrada por Serafim Lopes para descrever a árdua vida da classe social então existente fez dele um fotógrafo, com a objectiva focada na eternidade, não te parece?

Custóias 07 de Novembro de 2013

José Mendonça

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