Relembrando o passado
"Chega uma época em que nos damos conta de que tudo o que fazemos se transformará em lembrança um dia. É a maturidade. Para alcançá-la, é preciso justamente já ter lembranças." in "Il Mestiere di Vivere" Autor: Cesare Pavese
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
segunda-feira, 2 de junho de 2014
quarta-feira, 28 de maio de 2014
sábado, 26 de abril de 2014
Uma noite deslumbrante
Através da janela do
aposento onde estou a escrever deparo-me com um dia de nevoeiro, triste,
deprimente. É então que me lembro de uma noite que me fascinou e que guardo
como um momento belo da minha vida que não resisto a descrever, para que só
para mim não fique.
Helena Vilas Boas: Telhados do Porto
|
Certa noite, debruçado
sobre o muro que rodeia o largo da Sé do Porto, via a meus pés descansando o
meu Porto laborioso, depois de um longo dia de trabalho.
Atrás de mim, o templo da
Sé e o largo da Vandoma, onde, em tempos, chegou a haver uma feira. Algures no templo
ainda se encontram sinais de marcação, mostrando a medida de um metro por onde
se media fazendas. Do outro lado, numa pedra, está gravado um peixe (a
marca cristã).
Ao meu lado, o Palácio do
Bispo e, em baixo, o largo da Igreja de S. Lourenço, vulgarmente chamada Igreja dos Grilos, pelo facto de os
frades jesuítas usarem um fraque. No seu interior está o túmulo do Marquês de
Távora, fidalgo que muito contribuiu para a construção daquele templo. A
palavra Távora inscrita no túmulo
encontra-se riscada, por ordem do Marquês de Pombal. Fora da igreja, no topo da
entrada, passa despercebido o brasão dos Távoras.
Ao fundo, a rua do Arco de
Santana, no qual se baseou Almeida Garrett, aquando do seu aquartelamento na
Igreja dos Grilos, para escrever um de muitos romances. Da rua que o escritor
via com um arco, resta apenas o nome e um nicho com a imagem da Senhora de
Santana.
Parafraseando um poeta da
minha terra, Avelino Carneiro, nos versos dedicados à cidade Invicta, eu via
aquelas ruas estreitinhas, as casas velhinhas, os telhados pobrezinhos e o meu
Porto dormindo, depois de um dia de trabalho, numa noite em que o silêncio era
a minha companhia.
Dei comigo a pensar quão
belos eram aqueles momentos e como fazia parte de um quadro onde pintada estava
uma cidade que tem tanto de bonito como de modesto e histórico. Foi neste
enquadramento que o silêncio deu lugar a uma voz que invadia os meus ouvidos, perturbando
meus sentidos e embriagando-me deliciosamente.
Por
momentos senti que estava sonhando. Pensei depois que aquela melodia que rompia
o silêncio podia estar a ser passada por uma qualquer estação de rádio. Cedo
conclui que não se tratava nem de um sonho, nem de uma transmissão radiofónica.
Resolvi ir ao encontro de quem me estava a dar o privilégio de revestir o
encanto daquele lugar com a mais bela banda sonora alguma vez ouvida. Impelido
pelo luar e por aquela maravilhosa e fascinante voz lírica abandonei o lugar de
Pena Ventosa.
Desci a rua Escura, em
direcção à rua Sá da Bandeira, a qual se encontrava fechada ao trânsito, em
virtude de, na Praça D. João I estar a decorrer um espectáculo do cantor lírico
Andrea Bocelli, promovido por uma relevante instituição bancária. A praça
encontrava-se cheia de cadeiras ocupadas pela elite do Porto, espelhando, tal
qual reflexo na então existente fonte, a diferença que faz o vil metal. A
cidade modesta dava lugar a um espaço vedado ao trânsito, que representava o
epicentro daquela voz maravilhosa que ecoava pelo resto da urbe.
Soube, depois, através da
Imprensa, que o cantor havia pedido o adiamento do espectáculo, na sequência de
um convite para actuar na Casa Branca, nos EUA, naquele dia, pedido esse que
foi negado, tendo o Administrador do Banco que o contratara afirmado que o
tempo em que Portugal
não tinha dinheiro nem para fazer cantar um cego cessara.
Pelas vidraças de minha
casa é já noite, mas, apesar de a invernia teimar em ficar, a recordação deste
episódio torna o dia mais suave.
Custóias, 12 de Fevereiro de 2013
José Mendonça
sábado, 5 de abril de 2014
A escola da vida
Platão (427 aC - 347 aC) |
Penso que, quando nascemos, a nossa memória, que no cérebro repousa em estado puro, vai-se sujeitando a um Mundo novo até então para si inexistente, e a ele se vai adaptando. Ao reavivar as minhas memórias, aquilo de que me recordo remonta aos meus quatro, cinco anos, motivo pelo qual entendo que a vida não é uma escola, mas sim um labirinto com muitas portas rotuladas que indicam os atalhos da amizade, da realidade, da justiça e do trabalho. A Vida torna-se numa Escola apenas se ao labirinto formos capazes de juntar conteúdo e espírito crítico. Nesta medida, então sim, creio que tenho vindo a aprender algo na minha vida terrena.
Ao fazer uma auto-crítica com o intuito de perceber em que medida pode a Vida ter sido uma escola para mim, pareceu-me oportuno recorrer às seguintes reflexões filosóficas de Platão:
"Vencer a si próprio é a maior de todas as vitórias.
Praticar injustiças é pior que sofrê-las.
A harmonia só se consegue através da virtude.
O belo é sempre o esplendor da verdade.
A educação deve possibilitar ao corpo e à alma toda a perfeição e a beleza que ela pode ter."
Entendo que estes pensamentos espelham os labirintos que ziguezagueamos ao longo da vida e, simultaneamente, são as portas rotuladas de que há pouco falava, sem as quais se torna hercúleo, se não até impossível, transpor os obstáculos que se nos deparam nos puzzles que são construídos no nosso dia-a-dia.
Assumindo que a Vida é uma Escola, então, tal qual um bom professor, ao ensinar, suscita muitas interrogações e, neste sentido, um pensamento me atormenta: sendo o Mundo o aprendiz e a Vida a escola, como é possível que o aluno pratique injustiças (algo bem pior do que sofrê-las), promovendo a guerra, a fome, a injustiça, as convulsões, os atropelos e a ganância? Com este pensamento em mente, sou levado a concluir que a Vida é parte de um livro, composto por páginas luminosas e também por páginas negras e questiono-me em que porta do labirinto estará o lado mais obscuro da Vida e se haverá alguma força que o faça recuar e alcanças a maior de todas as vitórias ao vencer a si próprio, evitando o sofrimento de tanta gente, dando corpo a outro princípio defendido por Platão de que a harmonia só se consegue através da virtude.
Aceitemos, pois, que o belo é sempre esplendor da verdade e concluamos que a Escola da Vida não está ensimesmado na educação dada pelos professores, mas que se completa com os ensinamentos transmitidos pela família, pelos amigos, pela sociedade que nos rodeia e – porque não – pela própria vida que, de tão humilde e altruísta que é, nos mune dos mecanismos necessários a ultrapassar os obstáculos que ela própria cria, possibilitando ao corpo e à alma toda a perfeição e a beleza que ela pode ter, e que, a mim pessoalmente, me leva a afirmar:
-Sim, valeu a pena ter nascido, ter vivido.
Custóias 31-03-2014
José Mendonça
terça-feira, 31 de dezembro de 2013
Cartas ao amigo João: O homem dos sete instrumentos ...
Olá João.
Nesta quadra Natalícia onde a família se junta e se fala do amor pelo próximo, não deixa de ser penoso recordarmos aqueles que nos deixaram, e de ti claro, eu não poderia deixar de o fazer.
Aqui estou a lembrar-me da nossa infância, que foi sofrida, e bastante critica. Como tu afirmastes várias vezes: “andávamos com a barriga colada às costas”, agora observo o contrário, mas isso são outras coisas… Como sei quanto adoravas no Flor aquele movimento teatral que lá fervilhava, venho lembrar-te mais alguns excertos da peça que Serafim Lopes e sua equipa tanto polarizou naquela sala.
Lembras-te de uma figura típica que às sextas-feiras passava por S. Mamede a caminho da feira de Santana? O povo chamava-lhe o homem dos sete instrumentos, pois ele tinha dois pratos amarrados aos pés, um bombo, uma harmónica pendurada ao pescoço, mais uma gaita-de-beiços, pois, contaste bem: faltava um. Na peça há neste quadro um homem que era sempre aperreado pelos miúdos, pois nos diziam para perguntarmos a ele onde estava o sétimo instrumento.
Serafim Lopes, que explica onde está o sétimo instrumento com uma indiscrição do rei David, descreve este quadro com uma invulgar ironia, que nos faz sorrir, quando o homem aparece naquela esquina do centro de S. Mamede, onde todo o mundo parece que passava, e alguém lhe pergunta se então hoje ele não canta, e o homem dos sete instrumentos começa assim:
TOCA BOMBO, TOCA GAITA
TOCA GUISO E CASTANHOLA
REI DAVID TOCOU HARPA
LARGOU UMA FARPA
E PEGOU NA VIOLA
Outra personagem pergunta:
PISTO! OLHE, Ó TIOZINHO……
DIGA-ME CÁ, ESTÁ BONZINHO?.......
DOU SATISFAÇÃO
Á PREGUNTA INJUSTA
SE ESTOU OU NÃO
É Á MINHA CUSTA
E É ATREVIMENTO
METER O NARIZ
NO CONHECIMENTO
DUM DESINFELIZ
EU DIGO-LHE JÁ
QUE A FEIRA É P”RA LI
É TÃO DAQUI LÁ
COMO DE LÁ AQUI
VÁ ATRÁS SEMPRE ANDAR
DO NARIZ QUE TEM
E QUANDO ELE PARAR
VOCÊ PARA TAMBÉM
TOCA BOMBO, TOCA GAITA
TOCA GUISO E CASTANHOLA
REI DAVID TOCOU HARPA
LARGOU UMA FARPA
E PEGOU NA VIOLA Acabe lá ó tiozinho com a cantiga
DEMORO MUITO A GASTÁ-LO
O FRASEADO QUE VÊ
COMECEI EM CASA A CANTÁ-LO
E NÃO VOU ACABÁLO EM VOCÊ vou consigo ó tiozinho mas para a feira
E A DAR-LHE –EU BEM LHE DIGO
QUE É BURRO, POIS É
NÃO QUERO IR CONSIGO
QUE EU VOU BEM A PÉ
QUEM FOR CAVALEIRO
É BOM ENCONTRÁ-LO
ENGORDE PRIMEIRO
QUE VÃO LÁ COMPRÁ-LO….
É DE CARRINHO QUE VENS
LÁ NA FEIRA NADA ESCAPA:
É BAZAR DOS “TRES VINTENS”
TEM TUDO NA LAPA
QUE LÁ TUDO TENS….
OURIVES TRAMOIAS
QUE TÊM MAIS VALORES
QUE A RUA DAS FLORES
TEM PRATASE OIROS
MAIS COISAS P”PRÓ ROL
RELÓJIOS DE SOL
CORRENTES PARA TOIROS
CEVADOS….. TAMBÉM
E era assim que a crataiada seguia todas as sextas-feiras aquela típica figura do homem dos sete instrumentos, onde só se contavam seis, e se ia até Santana.
Assim Serafim Lopes e seus colaboradores nos mostravam um caso em que brincando com as palavras, se retratava a vida dessa gente que de doenças e fome estavam fartinhos
Como alguém disse um dia, que uma imagem vale mais que mil palavras, e como as que referi apenas subsistem em nossas memórias, termino mostrando-te que apesar de toda as (r)evoluções, tantos anos depois, o homem dos sete instrumentos não só não desapareceu como continua a tocar por esse mundo fora...
Custóias 27 Dezembro 2013
José Mendonça
sábado, 7 de dezembro de 2013
Carta ao amigos João -“Bodas de Prata“ do Grupo Dramático
HOMENAGEM
Amigo, aqui me tens novamente, a recordar as
coisas boas a que assistimos na nossa terra e das quais ainda hoje restam
raízes através da célebre peça teatral de autoria de Serafim Lopes, pela qual
ficamos conhecidos como sendo os da terra do Caldo e Broa.
Hoje, caro João, apresento-te mais um caso que
demonstra que esta peça nem sempre é sinónimo de brejeirice. Destaco, então,
uma passagem em que duas personagens se encontram e travam o diálogo que se
segue.
Infelizmente, este S. Mamede, apesar de todas
as saudades e desgostos, tem por força da nomenclatura, de estar sempre “ IN
FESTA “
Nesse ano de então, houve as “Bodas de Prata“
do Grupo Dramático, que foi uma festa de arromba! O tesoureiro, depois das
bodas de prata dos bombeiros, não falando nos bodos, que compreende a cada
boda, e que foi uma festa para os pobres, depois, no campo de futebol, a Festa
de despedida do Barbosa e do Regado, regada no final por lauto copo de água.
Houve, ainda, as Festas do Menino, a comunhão, etc. etc.. Mas a mais
significava de todas de todas foi, sem dúvida, a Festa de homenagem ao
benemérito, sr. Francisco Marques Pinto! E o personagem que ao lado se
encontrava comentou:
Tudo isso foi justo e lindo, mas junta-se o
personagem planeta destruidor estão bonzinhos... vou melhor! Graças ao Quim da
Farmácia! Mas nesta maneira de ser muito nossa de ver as coisas, porque não se
pensou ainda, homenagear a memória de um mamedense ilustre, que legou parte da
sua fortuna ás criancinhas das escolas? Porque se tem esquecido esse Homem que
se chamou Manuel António Santos Dias...?!
Era lição de justiça e gratidão, e tenho
certeza que toda a gente, o povo humilde pelo menos, responderia à chamada,
sinceramente, de coração nas mãos. E voltando-se para o público, diz assim:
Ó povo desta terra
O sentimento em pé
Responde em Alta Voz
SALVÉ
E se isto não bastasse, a sensibilidade do
autor tornar-se-ia inquestionável atentos os versos que se seguem:
S. Mamede está “IN” FESTA
Está S. Mamede em
festa e sua gente
Na serena honradez
do labutar…
Passa a vida a
sorrir e a cantar
Põe S. Mamede “In”
Festa, eternamente
Não há torrão ao
sol que mais encante
E as belezas sem
par que tu encerras
Hão- de encontrar
poeta que as conte….
E o povo te alevante
À mais linda das
terras…
S. Mamede de Infesta
Oh terra do nosso
ideal
Alguém ilustre -
já morto –
Te chamou “Sintra
do Porto”
- jardim de Portugal
Custóias, 29 Novembro de
2013
José Mendonça
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