domingo, 30 de junho de 2013

A arte de se repor a verdade dos factos

Os Burgueses de Calais

Certa ocasião li acerca de um escultor a quem, entre outras designações, chamaram “o poeta da pedra”. Confesso que a junção da poesia com o trabalho em pedra fez-me confusão, porém percebo que a poesia está em tudo que nós fazemos. Por isso tive a curiosidade de apreciar os trabalhos feitos pelo escultor Rodin e dei comigo a admirar as expressões que este artista consegue transmitir às suas obras, que têm Arte, Poesia e Expressão.
        
Augusto Rodin nasceu em Paris num bairro popular, a 12 de Novembro de 1840. Seus pais eram pobres; o pai foi contínuo, acabando como polícia. A mãe, religiosa, era pouco culta.
Rodin não poderia almejar grandes estudos, porque os pais não tinham dinheiro para os pagar. Até aos 14 anos andou de colégio em colégio e, nessa altura, seu pai, apercebendo-se de que o filho tinha queda para desenho e matemática, procurou lugares onde Rodin pudesse dar asas à sua paixão: o desenho.

Com 23 anos de idade recusam-lhe a admissão à Escola de Belas Artes de Paris. O artista ia trabalhando em pequenas obras e as suas esculturas iam tomando forma, de tal maneira, que impressionou os críticos, que se apercebiam da Poesia de que se revestiam as suas esculturas. Assim, apelidaram-no de o Poeta da pedra.
Sempre que lhe encomendavam uma obra, o escultor exigia o motivo e a história para essa obra se executar.

A beleza da sua obra destaca-se em esculturas como A idade do bronze, São João Batista e O Pensador, entre tantas outras. Porém, a que nos levou a escrever sobre este escultor foi Os cidadãos de Calais 1886, pois é a prova provada que a poesia está em tudo o que se faz. Procurando dados sobre este ato, verifica-se que seis cidadãos de Calais oferecem suas vidas em troca da não destruição da sua Terra no princípio. Este ato teve na sua génese um burguês de seu nome Eustache de Saint-Pierre, a quem se seguiu um segundo, culminando em seis burgueses que deram a sua vida e fortunas em prol da sua terra.

Rodin recria com ar humilde estes seis heróis que ofereceram a sua vida.

Não pude evitar ao conhecer este Poeta da Pedra, de reflectir que o acto de se “apropriar” de artes alheias não é só dos escultores, pois senão, não terá Gedeão feito o mesmo quando “esculpiu” com as suas palavras o poema da “Pedra Filosofal”?



      José Mendonça, Custóias 2013-06-30

sábado, 22 de junho de 2013

Os desvios que as democracias às vezes nos pregam

Convento de Mafra

Ao tentar descrever alguns desvios da Nação, pensei para comigo mesmo que as democracias às vezes nos pregam partidas. Dei comigo a consultar o período da nossa história em que D. João V reinou, e isto porque ouço falar em obras “faraónicas” ou, no meu entender, em obras que não servem para o bem do cidadão, aliás o único sentido a dar a estas as coisas.

Em Mafra existe um edifício que tem tantos pisos soterrados quantos os que tem à superfície, entre outras singularidades “faraónicas”, e tudo isto para servir meia dúzia de frades e um rei de quem, mesmo depois de morto, se falava como esbanjador do ouro e da escravatura que mandava para o Brasil.
Poder-se-ia dizer o mesmo quando se fez o Aqueduto das Águas Livres, porém este foi uma utilidade pública e feito por engenharia militar. Continuando o percurso da História pela década de cinquenta do séc. XX, a tapada que se encontra nas traseiras do convento de Mafra tem cerca de 1200 hectares e uma extensão de 16 quilómetros, terminando próximo de Torres Vedras.
Para que esta obra se concretizasse foram apanhados à força uma boa parte dos homens válidos de todo o país e mandados para Mafra amarrados em cordas. Juntaram-se assim cerca de 45000 trabalhadores e 7000 soldados.
A pedra para a sua construção veio de Pêro Pinheiro e de fora veio o restante (quem assim o descreve é José Hermano Saraiva na sua História Concisa de Portugal); tudo isto para edificar um edifício para albergar cerca de 300 frades.
Comenta-se que, quando o rei encomendou uma torre com trinta e tantos sinos aos Holandeses, estes terão mostrado dúvidas pelo custo envolvido. Então, o soberano, que viveu paralítico nos seus último anos, mandou fazer duas torres em vez de uma.
Foi assim que o nosso povo sempre viveu: à custa do heroísmo de uns tantos, como é exemplo da nossa história a célebre e grandiosa embaixada mandada ao papa por D. Manuel I.

Tanto teriam a nossos reis para contar...

Voltemos à nossa tapada, que afinal não é uma, mas sim duas. Duas porque se distinguia entre a tapada número um e a número dois, sendo que a esta última se chamava também de “casal do abade” onde, sobre uma colina, vivia uma velha (que seria a ama canónica do abade). Uma vez que a senhora sempre se recusara a de lá sair, El-rei D. João V em pessoa resolveu lá ir, com o propósito do voto que fizera de o convento ter um terreno igual em grandeza ao convento. Quando o rei foi visitar a velha que lá vivia fartou-se das suas mesuras (de dizer ao Real senhor que queria muito ao seu casal) e o rei, vendo que ela não cedia facilmente, acabou por lhe propor: “Vende-me o casal que dou-te um barrete cheio de peças de ouro.”

El-rei recebeu como resposta “Pois, meu senhor ,para que vossa majestade não me leve o meu casal, sou capaz de dar… dois barretes de peças.”. A solução do caso acabou por ser uma expropriação, como também explicou José Hermano Saraiva. Passados trinta ou quarenta anos ainda se resolviam casos respeitantes ao convento.
  

Defronte ao convento, seguindo a rua de Serpa Pinto, há uma capelinha muito antiga (a igreja de Santo André) que tem uma lápide onde se lê que o Papa Pedro Hispano lá foi prior.

José Mendonça, 22 Junho 2013

sábado, 8 de junho de 2013

Existem homens que até depois de mortos são perigosos

É o grande mestre da narrativa densa, rápida e de grande objectividade. Inteiramente persuasivo na sua maneira de escrever, assim o diz Óscar Lopes.


Ao ler sobre esta figura insuspeita da nossa Literatura Nacional que é o Camilo Castelo Branco, tive a curiosidade de vasculhar sobre a vida deste homem de letras e sobre a sua obra que se calcula prolongar em cerca 40 anos (desde 1850 a 1890). Nesse espaço de tempo dizem os biógrafos (que nem sempre são fantasiosos) ‘só’ isto: 180 volumes num total de 54.000 páginas; 30.000 páginas correspondentes aos 133 títulos de obras originais; 2000 polémicas; 2600 escritos e avulsos reunidos por Júlio Dias da Costa em 5 volumes; 569 páginas das obras alheias que verteu para nossa língua (14 títulos, como indica Oldemiro César ); 1400 páginas do conjunto de livros revistos ou anotados por Camilo; 1000 relativas às edições, ou reedições de manuscritos de sua responsabilidade; 5000 de correspondência.

A esta descrição feita por Alexandre Cabral, acrescentam-se milhares de cartas destruídas pelo próprio Camilo, principalmente as dirigidas a Ana Plácido. Temos um conjunto de obras como o Amor De Perdição, A Corja, A Queda De Um Anjo, Memórias De Cárcere, Mistérios De Lisboa I, II, III, Onde Está A Felicidade, O Bem E O Mal, O Retrato De Ricardina, O Judeu, Novelas Do Minho e tantas outras que totalizam mais de uma centena de obras.

Dei-me à curiosidade de tentar descrever este homem e foi ao ler a sua biografia e ver a forma sofrida com que escrevia para sustentar os seus, que me senti impelido a reflectir acerca da sua revolta:

“Eu inclinava o peito crivado de dores sobre uma banca para ganhar, escrevendo e tressudando sangue para o sustento de uma família. A luz dos meus olhos bruxuleava já nas vascãs da cegueira. E eu escrevia sempre.” - Camilo Castelo Branco

Foste um escritor maldito. Pensar que ainda hoje não se pode dizer mal dos poderosos, e tu o fazias, nomeando a classe daqueles que vegetavam no Palácio da Bolsa ou chamando ao lugar “o palheiro”… um deles procurou-te para que lhe compusesses um poema para oferecer à sua amante, tendo, para o efeito, oferecido um cavalo que pôs à tua porta. Então afirmaste: “Para que quero eu um cavalo, se nem dinheiro tenho para a palha para o sustentar?”

Foste considerado o maior escritor da Península e escreveste o livro de amor mais lido em Portugal. Com base nele fizeram-se filmes, como o Amor de Perdição, e peças de teatro O Morgado De Fafe Amoroso, entre muitas mais. Escreveste poesia da qual não resisto a citar um poema já pressentindo o teu fim:


Alma atribulada

Ó’ alma atribulada, corta o laço
da torva angústia que te cinge á vida
Vai, foge para Deus, ou para o espaço…
Ou nada ou Deus, que importa? Eis-te remida

Não tiveste na vida um dia de escasso
De paz e de alegria’ Escurecida
te foi sempre a existência, desvalida,
e cortada de abismos, passo a passo


Vai’ Não leves saudades do que deixas,
Se a fé em melhor mundo te preluz,
Alma gemente, por assim te queixas?

Desprendeste a sorrir, da horrenda cruz
Em que tanto penaste? Os olhos fechas ?
Abre os d’alma, e verás que infinda luz.

Foste um alvo a abater pela burguesia, eras um escritor com créditos já reconhecidos pelo povo, que via em ti um homem de letras que tão bem descrevia os seus costumes e os seus lugares.

Herculano, já no seu retiro de Vale de Lobos, tinha-te como grande escritor.
Quando o rei D. Pedro V que te visitou por duas vezes na cadeia da Relação no Porto e mandou oferecer-te dois contos de réis,  foi por ti repudiado com a seguinte afirmação “Eu creio que o Sr. D. Pedro V é finamente delicado, e só dá esmolas a quem lhas pede. E quando, me a honra de me perguntar, na cadeia como eu me ocupava, respondi a S. M.: que trabalhava”.

Já havias pedido por três vezes para ocupar vagas que se deram para trabalhar na biblioteca e por três vezes o teu pedido foi recusado. A burguesia não te perdoava. Tu que estiveste entre a fina-flor dos escritores da tua época, muito sofreste. A mulher que tu verdadeiramente amaste, Ana Augusta, deu-te um filho - Jorge Castelo Branco - que cedo revelou sinais de loucura, como afirmas no teu livro “Nas trevas”, no seguinte poema:

Constantemente                                         
vejo o filho amado
Na minha escuridão, onde fulgura
A extática pupila da loucura,
Sinistra luz dum cérebro queimado.

Que posso eu dizer de ti, cujos olhos se humedeciam sempre que te lembravas desse teu filho ao olhar para a Acácia que o teu Jorge plantou.

A acácia do Jorge na Casa de Camilo Castelo Branco
Projectaste o teu termo à vida e a tua morte por suicídio resultou num funeral que partiu de Famalicão para o Porto, num vagão de mercadorias por caminho de ferro até Campanhã e daí foste para um jazigo no Cemitério da Lapa de um amigo teu, conforme havias pedido.
O funeral teve umas escassas dezenas de acompanhantes, tal como havia sucedido com João Almada (filho), que à frente da Câmara da Cidade, mandou  construir a Cadeia de Relação onde estiveste, com as pedras da muralha Fernandina (ainda hoje visitada por dezenas de turistas), as ruas em estilo recto de Santa Catarina, Camões, Cedofeita, Bonjardim, Alameda das Fontainhas e o Jardim da Cordoaria, entre tantas outras empreitadas… também este estadista que, como tu, tanto fez pela sociedade, teve um funeral de pouco mais do que se precisa para levar o caixão.

Tanto poderia dizer sobre o homem Camilo. Mas prefiro escrever sobre parte do muito e mais valioso que nos deixaste, porque é um privilégio falar do melhor que as pessoas nos legam. Outros factos, esses delego noutros mais entendidos do que eu.
Termino lembrando que, para fins de tua vida, foste agraciado com o título de Visconde de Famalicão, o qual só duas vezes utilizaste.

Foste proposto para o Panteão Nacional, porém, tal não veio a acontecer tamanhos foram os obstáculos apresentados pelo Parlamento. 

Como vês, até depois de morto eras perigoso...




07-06-2010 José Mendonça

sábado, 1 de junho de 2013

"Minha Aldeia, Antigamente…" da poetisa Maria Mamede

Tenho vindo a relatar parte de uma vida que não é só minha, mas de todos que por ela passaram, para se lembrarem que apesar de tudo, a vida de agora é mais suave do que aquela que aqui descrevo.

Deixo-vos com os versos de uma poetisa da minha terra que tão bem soube descrever S. Mamede de Infesta, aldeia que, a doze de Julho de dois mil e um foi elevada a cidade: ‘Minha Aldeia, Antigamente…’, de Maria Mamede:


Minha aldeia, antigamente
Laborioso cortiço
Era colmeia de gente
Mourejando, sol a sol;
E da aurora ao arrebol
Sorria, tranquilamente…

Tinha gente, tanta gente
Qu’ eu amei ou conheci
A minha aldeia era aqui
Mas hoje, tudo é diferente;
Já lá vai a mocidade,
Já passou a ser cidade,
Já esqueceu essa gente!

Por isso quero deixar
Antes que parta também
Aos que cá vivem agora,
A recordação de outrora,
Tempo para mim sem cuidado
E revivendo o passado
Dos que foram pró Além,
Quero trazer à memória
Alguns de que sei a história!

Tinha o “Crista” sapateiro
E o “Perigoso” barbeiro.
Perto, o “Barros” da Capela.
Tinha a tasca da “Malícia”
A “Benfolga” do polícia
E a “Laranja”, em Ventiela.

Tinha os “Senras” na carreira
A “Ti Maria Louceira”
E feira no Largo da Cruz,
Onde a “Olívia Hortaliceira”
De segunda a sexta-feira
Abria a boca e Ai Jesus!...

Festa igual não há nenhuma
Mesmo rondando quilómetros
Será procurar debalde;
Só o “Senhor da Boua Fertuna”
Ou a festa dos gasómetros
Lá no Largo de Moalde.

Na rua atrás da Capela
Existia um “Trovoada”
Casado com uma “Carneira”
Que passava a vida inteira
Sempre a trovejar por nada,
Mas caladinho p’ra ela…

Havia um “Olho de Vidro”
E havia um grupo entretido
A jogar a vermelhinha.
Havia um “Caramileiro”
E o “Manel Farrapeiro”,
Perto dessa Capelinha.
Quando havia um funeral,
Fosse de rico ou de pobre,
O “Quim Tarracha”, é sabido,
Compenetrado do acto,
Vestindo o seu melhor fato,
Ia à cruz, sem alarido.

E o “Manel Vai P’rá Guerra”
Que a guerra não conhecia
P’ra ganhar pataco
A fazer recados vivia.
Não dava p’ró que comia,
Ia dando p’ró tabaco!

Havia um “Cego” na Asprela
Perto do “Manel do Cabo”
Havia a gente do “Brinca”
E havia a “Vinte e Cinca”
Sempre num “arranca rabo”.

Tinha os filhos do “Cesila”
E a casa do “Basila”
Que era o “Quartel-General”;
Tinha uma “Lina Caruja”
E a família da “Maruja”,
Gente do Bem e do Mal…

Havia o “Manel d’ Além”…
“Caramalhas”, “Saias Rotas”
Gente descalça e de botas
Ou calçado rapelhado;
E a presa da Lavandeira,
Com o Rio Novo à beira
P’ra dar de beber ao gado…
Teve até um “Regedor”
O “Baristo Lavrador”,
Que sempre que alguém prendia,
Levava o preso consigo
E era tamanho o castigo
Que ser solto, ninguém queria!

Teve um Juiz “Julião”,
Um Professos “Fabião”
E um Padre “Farinhote”
Com a gata “Consciência”.
Teve a “Senhora Clemência”
Que arrastava o saiote…

A registar quem nascia,
Quem casava, quem morria
Havia uma “Primavera”.
E havia uma “Liberdade”
Sem saber o que isso era
E escondida a vontade
Dum Abril que foi espera!

Frente à “Loja do Cantinho”
Vivia o “Zeca Manquinho”
Que de “piela” dizia
Para a casa onde morava,
Sua “piscina” cruzava
A nado, quando chovia…

Pelos Passos, na procissão.
Havia um grande Sermão
Do “Encontro”, assim chamado
E “unhas”, que ninguém nos ouça.
Só o “Ribeiro da Bouça”
P’ró estandarte mais pesado.
Tinha um “Mestre Escola” pedreiro
Um “Periquito” barbeiro
Um padeiro “Batatinha”
Um lavrador “Cabeleira”
Tinha louças na “Barbeira”
E tabaco na “Cacinha”.

Tinha um “Silva Regedor”
E um “Cordeiro” doutor
Um lavrador “Fevereiro”.
Tinha “Poupas” e “Pardais”
E outros pássaros mais
Muitos, gentes de dinheiro.

Tinha um “Pereira” enfermeiro,
Um “Barros” relojoeiro
Casado c’ uma “Barista”
Tinha a casa “Tianol”
E o “Adelino Pitrol”
E tinha a bouça do “Brista”.

Havia um “Nocas” pintor
Que tinha um irmão actor
No Teatro de Revista;
E a “Gertrudes” parteira
E o “Nina da Sarradeira”
E um porqueiro “Batista”.

Tinha uma Fonte dos Alhos
E quem caísse em trabalhos
Na quelha da “Caganita”;
E o “Domingos” dos cavalos,
Foguetes de Quatro Estalos
E a família do “Pita”.
E um “Melro” na Igreja Velha
A caminho de Parada
Tinha a “Maria Picada”
E os “Fandinos” em passeio;
Tinha o “Infesta” jogando,
A “Maria Aurora” cantando
E o eléctrico ao meio.

O “Ginja” do Simpatia
Desenhava e escrevia
Tinha talento e humor
Quando entrou no “Caldo e Broa”
Chegou a ir a Lisboa
Na Companhia do “Flor”.

Tinha a “Farmácia do Lino”
Onde o “Quim” de pequenino
Era aprendiz de doutor.
Sabia dar injecções
Fazer pomadas, poções
E xaropes p’ró Amor…

E tinha o “Dr. Germano”
Parteiro como não há;
Mesmo não sendo de cá
Merece bem estar aqui
Pois ao que eu soube e vi
Ele trouxe para a vida
Muita gente cá da Aldeia.
Sendo a ingratidão uma coisa feia,
Recordo-o agradecida!


Do “Germano” seguidor
Pelo “Ginja” caricaturado,
Eu quero também lembrar
O “Dr. Vilar Machado”.
Baixo, bem apessoado
Que me apraz recordar.

O cauteleiro “Cabilhas”
Pôs os filhos e as filhas
A ajudá-lo no negócio
À esquina do Botequim
Fazia grande chinfrim,
Mas nunca quis nenhum sócio!

Tinha o “Augusto dos Panos”
Que já entrado nos anos
Fez um cinema na aldeia;
Tinha “Chapas” e “Moletes”
A “Pimenta” das bicicletes
E uma “Caritas” bem feia.

O cinema tinha o “Megre”
Bilheteiro e lanterninha;
Tinha uma “Viúva Alegre”
E o “Zoeira”, genro desta
Tocador de violino
Que escrever com muito tino
“S. Mamede Está In’ Festa!”

Ainda há hoje no “Flor”
O “Zé Oliveira” actor
Do tempo do “Caldo e Broa”.
Tanto tempo dirigente
Não é para toda a gente
Nem para qualquer “Patroa”…

A loja do “Campeão”
Tinha sementes, feijão
Hortaliças e etcs.;
Mas não tinha cola-tudo
P’ra colar “peixe-miúdo”
Nem as “bocas mais abertas”…

“Manuel Luís” e “Pacar”
Tinham carros para alugar
Com motoristas fardados;
Levavam ao mesmo tempo
Os noivos ao casamento
Pais, padrinhos e convidados…

Existiram no passado
Políticos contra o Estado
Democrático Movimento;
Hoje apenas o que resta
Em S. Mamede de Infesta
É essa Rua do Centro.

E havia “Cucos” e “Cucas”
E “Custódias” meio zucas
Que bebiam “escarlatina”;
Havia “Pedros” e “Pedras”
E “Lourinhas”, bem azedas
E “Polidores” em cada esquina.

À tasca do “Azeiteiro”
Ia um “Boletineiro”
Bebedolas, pachorrento
P’ra quem o correio urgente
Ou normal era indiferente…
“Se é urgente, tem tempo!...”

‘Inda há “Limas” e com lima,
Tanto primo e tanta prima
E ‘Inda há o “Leça Armador”;
Mas a “Isaura dos Caixões”
Já não entra em confusões
Porque abalou pró Senhor!

Havia muitos “Dourados”
E havia “Patos” casados
Com “Patas” e outras mais
P’ra juntarem a riqueza;
Havia a “Ti Ana Teresa”
E o “Zeca dos Jornais”.

A “Micas dos Caladinhos”
Vendia desses docinhos
Na sua loja de usados;
Paravam por lá uns “mangas”
Alguns amigos das “tangas”
E outros aposentados.
Numa noite de calor
Descansando do labor
Tentando matar a sede,
Criaram, deram à luz
O que foi seu “Ai Jesus”,
O rancho de S. Mamede!

Havia a “Foto Taveira”
E pertinho, quase à beira,
Havia o “Maximiano”
E o “Júlio Chapeleiro”
E os filhos do “Mineiro”
Com fominha todo o ano…

Mas não se julgue que eu penso
Serem tempos assombrosos
Pois descalcinhos, ranhosos,
Jogando à bola de trapos
Muitos meninos da Aldeia
Só tinham “jantar” ou “ceia”
Colchão de palha e farrapos.
Apenas sinto Saudades,
Desse tempo de esperança
Porque quando se é criança
Não se conhece maldade…

Muita gente que eu esqueci
E disso peço perdão
Talvez noutra ocasião
Eu os lembre noutros versos;
Às vezes são adversos
Os ventos da inspiração…

No entanto, à minha Terra
Deixo expresso este penhor
Expressão do meu Amor;
Que p’ra amar, não há idade;
E ao Padroeiro, a veia
Do que escrevo à minha Aldeia
Que agora é já Cidade!...

Quem quiser pode acompanhar outros trabalhos desta querida minha amiga nos seus blogues:


De Amor e de Terra

Se Não houvesse Fronteiras


XANGRILAH