Tenho vindo a relatar parte de uma vida que não é só minha, mas de todos que por ela passaram, para
se lembrarem que apesar de tudo, a vida de agora é mais suave do que aquela que aqui descrevo.
Deixo-vos
com os versos de uma poetisa da minha terra que tão bem soube descrever S. Mamede de Infesta, aldeia que, a doze de Julho de dois mil e um foi elevada a
cidade: ‘Minha Aldeia, Antigamente…’, de Maria Mamede:
Minha aldeia,
antigamente
Laborioso
cortiço
Era colmeia de
gente
Mourejando, sol
a sol;
E da aurora ao
arrebol
Sorria,
tranquilamente…
Tinha gente,
tanta gente
Qu’ eu amei ou
conheci
A minha aldeia
era aqui
Mas hoje, tudo
é diferente;
Já lá vai a
mocidade,
Já passou a ser
cidade,
Já esqueceu
essa gente!
Por isso quero
deixar
Antes que parta
também
Aos que cá
vivem agora,
A recordação de
outrora,
Tempo para mim
sem cuidado
E revivendo o
passado
Dos que foram
pró Além,
Quero trazer à
memória
Alguns
de que sei a história!
Tinha
o “Crista” sapateiro
E
o “Perigoso” barbeiro.
Perto,
o “Barros” da Capela.
Tinha
a tasca da “Malícia”
A
“Benfolga” do polícia
E
a “Laranja”, em Ventiela.
Tinha
os “Senras” na carreira
A
“Ti Maria Louceira”
E
feira no Largo da Cruz,
Onde
a “Olívia Hortaliceira”
De
segunda a sexta-feira
Abria
a boca e Ai Jesus!...
Festa
igual não há nenhuma
Mesmo
rondando quilómetros
Será
procurar debalde;
Só
o “Senhor da Boua Fertuna”
Ou
a festa dos gasómetros
Lá
no Largo de Moalde.
Na
rua atrás da Capela
Existia
um “Trovoada”
Casado
com uma “Carneira”
Que
passava a vida inteira
Sempre
a trovejar por nada,
Mas
caladinho p’ra ela…
Havia
um “Olho de Vidro”
E
havia um grupo entretido
A
jogar a vermelhinha.
Havia
um “Caramileiro”
E
o “Manel Farrapeiro”,
Perto
dessa Capelinha.
Quando
havia um funeral,
Fosse
de rico ou de pobre,
O
“Quim Tarracha”, é sabido,
Compenetrado
do acto,
Vestindo
o seu melhor fato,
Ia
à cruz, sem alarido.
E
o “Manel Vai P’rá Guerra”
Que
a guerra não conhecia
P’ra
ganhar pataco
A
fazer recados vivia.
Não
dava p’ró que comia,
Ia
dando p’ró tabaco!
Havia
um “Cego” na Asprela
Perto
do “Manel do Cabo”
Havia
a gente do “Brinca”
E
havia a “Vinte e Cinca”
Sempre
num “arranca rabo”.
Tinha
os filhos do “Cesila”
E
a casa do “Basila”
Que
era o “Quartel-General”;
Tinha
uma “Lina Caruja”
E
a família da “Maruja”,
Gente
do Bem e do Mal…
Havia
o “Manel d’ Além”…
“Caramalhas”,
“Saias Rotas”
Gente
descalça e de botas
Ou
calçado rapelhado;
E
a presa da Lavandeira,
Com
o Rio Novo à beira
P’ra
dar de beber ao gado…
Teve
até um “Regedor”
O
“Baristo Lavrador”,
Que
sempre que alguém prendia,
Levava
o preso consigo
E
era tamanho o castigo
Que
ser solto, ninguém queria!
Teve
um Juiz “Julião”,
Um
Professos “Fabião”
E
um Padre “Farinhote”
Com
a gata “Consciência”.
Teve
a “Senhora Clemência”
Que
arrastava o saiote…
A
registar quem nascia,
Quem
casava, quem morria
Havia
uma “Primavera”.
E
havia uma “Liberdade”
Sem
saber o que isso era
E
escondida a vontade
Dum
Abril que foi espera!
Frente
à “Loja do Cantinho”
Vivia
o “Zeca Manquinho”
Que
de “piela” dizia
Para
a casa onde morava,
Sua
“piscina” cruzava
A
nado, quando chovia…
Pelos
Passos, na procissão.
Havia
um grande Sermão
Do
“Encontro”, assim chamado
E
“unhas”, que ninguém nos ouça.
Só
o “Ribeiro da Bouça”
P’ró
estandarte mais pesado.
Tinha
um “Mestre Escola” pedreiro
Um
“Periquito” barbeiro
Um
padeiro “Batatinha”
Um
lavrador “Cabeleira”
Tinha
louças na “Barbeira”
E
tabaco na “Cacinha”.
Tinha
um “Silva Regedor”
E
um “Cordeiro” doutor
Um
lavrador “Fevereiro”.
Tinha
“Poupas” e “Pardais”
E
outros pássaros mais
Muitos,
gentes de dinheiro.
Tinha
um “Pereira” enfermeiro,
Um
“Barros” relojoeiro
Casado
c’ uma “Barista”
Tinha
a casa “Tianol”
E
o “Adelino Pitrol”
E
tinha a bouça do “Brista”.
Havia
um “Nocas” pintor
Que
tinha um irmão actor
No
Teatro de Revista;
E
a “Gertrudes” parteira
E
o “Nina da Sarradeira”
E
um porqueiro “Batista”.
Tinha
uma Fonte dos Alhos
E
quem caísse em trabalhos
Na
quelha da “Caganita”;
E
o “Domingos” dos cavalos,
Foguetes
de Quatro Estalos
E
a família do “Pita”.
E
um “Melro” na Igreja Velha
A
caminho de Parada
Tinha
a “Maria Picada”
E
os “Fandinos” em passeio;
Tinha
o “Infesta” jogando,
A
“Maria Aurora” cantando
E
o eléctrico ao meio.
O
“Ginja” do Simpatia
Desenhava
e escrevia
Tinha
talento e humor
Quando
entrou no “Caldo e Broa”
Chegou
a ir a Lisboa
Na
Companhia do “Flor”.
Tinha
a “Farmácia do Lino”
Onde
o “Quim” de pequenino
Era
aprendiz de doutor.
Sabia
dar injecções
Fazer
pomadas, poções
E
xaropes p’ró Amor…
E
tinha o “Dr. Germano”
Parteiro
como não há;
Mesmo
não sendo de cá
Merece
bem estar aqui
Pois
ao que eu soube e vi
Ele
trouxe para a vida
Muita
gente cá da Aldeia.
Sendo
a ingratidão uma coisa feia,
Recordo-o
agradecida!
Do
“Germano” seguidor
Pelo
“Ginja” caricaturado,
Eu
quero também lembrar
O
“Dr. Vilar Machado”.
Baixo,
bem apessoado
Que
me apraz recordar.
O
cauteleiro “Cabilhas”
Pôs
os filhos e as filhas
A
ajudá-lo no negócio
À
esquina do Botequim
Fazia
grande chinfrim,
Mas
nunca quis nenhum sócio!
Tinha
o “Augusto dos Panos”
Que
já entrado nos anos
Fez
um cinema na aldeia;
Tinha
“Chapas” e “Moletes”
A
“Pimenta” das bicicletes
E
uma “Caritas” bem feia.
O
cinema tinha o “Megre”
Bilheteiro
e lanterninha;
Tinha
uma “Viúva Alegre”
E
o “Zoeira”, genro desta
Tocador
de violino
Que
escrever com muito tino
“S.
Mamede Está In’ Festa!”
Ainda
há hoje no “Flor”
O
“Zé Oliveira” actor
Do
tempo do “Caldo e Broa”.
Tanto
tempo dirigente
Não
é para toda a gente
Nem
para qualquer “Patroa”…
A
loja do “Campeão”
Tinha
sementes, feijão
Hortaliças
e etcs.;
Mas
não tinha cola-tudo
P’ra
colar “peixe-miúdo”
Nem
as “bocas mais abertas”…
“Manuel
Luís” e “Pacar”
Tinham
carros para alugar
Com
motoristas fardados;
Levavam
ao mesmo tempo
Os
noivos ao casamento
Pais,
padrinhos e convidados…
Existiram
no passado
Políticos
contra o Estado
Democrático
Movimento;
Hoje
apenas o que resta
Em
S. Mamede de Infesta
É
essa Rua do Centro.
E
havia “Cucos” e “Cucas”
E
“Custódias” meio zucas
Que
bebiam “escarlatina”;
Havia
“Pedros” e “Pedras”
E
“Lourinhas”, bem azedas
E
“Polidores” em cada esquina.
À
tasca do “Azeiteiro”
Ia
um “Boletineiro”
Bebedolas,
pachorrento
P’ra
quem o correio urgente
Ou
normal era indiferente…
“Se
é urgente, tem tempo!...”
‘Inda
há “Limas” e com lima,
Tanto
primo e tanta prima
E
‘Inda há o “Leça Armador”;
Mas
a “Isaura dos Caixões”
Já
não entra em confusões
Porque
abalou pró Senhor!
Havia
muitos “Dourados”
E
havia “Patos” casados
Com
“Patas” e outras mais
P’ra
juntarem a riqueza;
Havia
a “Ti Ana Teresa”
E
o “Zeca dos Jornais”.
A
“Micas dos Caladinhos”
Vendia
desses docinhos
Na
sua loja de usados;
Paravam
por lá uns “mangas”
Alguns
amigos das “tangas”
E
outros aposentados.
Numa
noite de calor
Descansando
do labor
Tentando
matar a sede,
Criaram,
deram à luz
O
que foi seu “Ai Jesus”,
O
rancho de S. Mamede!
Havia
a “Foto Taveira”
E
pertinho, quase à beira,
Havia
o “Maximiano”
E
o “Júlio Chapeleiro”
E
os filhos do “Mineiro”
Com
fominha todo o ano…
Mas
não se julgue que eu penso
Serem
tempos assombrosos
Pois
descalcinhos, ranhosos,
Jogando
à bola de trapos
Muitos
meninos da Aldeia
Só
tinham “jantar” ou “ceia”
Colchão
de palha e farrapos.
Apenas
sinto Saudades,
Desse
tempo de esperança
Porque
quando se é criança
Não
se conhece maldade…
Muita
gente que eu esqueci
E
disso peço perdão
Talvez
noutra ocasião
Eu
os lembre noutros versos;
Às
vezes são adversos
Os
ventos da inspiração…
No
entanto, à minha Terra
Deixo
expresso este penhor
Expressão
do meu Amor;
Que
p’ra amar, não há idade;
E
ao Padroeiro, a veia
Do
que escrevo à minha Aldeia
Que
agora é já Cidade!...
Quem quiser pode acompanhar outros trabalhos desta querida minha amiga nos seus blogues:
De Amor e de Terra
Se Não houvesse Fronteiras
XANGRILAH
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Se Não houvesse Fronteiras
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