sábado, 23 de março de 2013

Lendas do leito do rio Leça (quem foi Elaine Sanceau?)

Gentes e lugares com história
(Lendas que perduram)

Ao reler o livro de Stefan Zweig, Os Grandes Momentos da Humanidade, relembrei como nasceu a cidade de São Francisco, na América do Norte. Nesta obra, o escritor relata que, em 1838, naquele lugar pouco povoado, habitava uma Ordem de Franciscanos (com base na qual foi dado aquele nome) e alguns pescadores.

Naquela época, assim nos afirma o escritor, toda a gente tinha o sonho de partir em busca dum futuro melhor, e, na Europa, dava-se terra a quem a quisesse trabalhar. João Augusto Suter, residente perto de Basileia, do outro lado do Oceano, era um homem a quem a vida não sorria. Tendo ouvido falar nesse Novo Mundo, resolveu seguir a sorte desses desesperados que deixavam as suas terras e desembarcou na Califórnia. Ao tomar conhecimento do lugar de pescadores, em São Francisco, resolveu erguer uma grande herdade e cultivá-la, depois de ter obtido, junto das autoridades da Califórnia, a concessão daqueles terrenos durante dez anos. Aí, Suter criou gado, rentabilizou os terrenos e chegou mesmo a dizer que era o homem mais rico do mundo. Cinco anos volvidos desde que começou a sua empreitada, foi abordado por um homem da sua confiança que lhe mostrou umas pedras de cor amarela que se tornaram visíveis numa construção que estava a ser feita. Suter concluiu que se tratava de ouro, pedindo, por isso, o máximo sigilo ao seu empregado, que não foi capaz de o manter, contando o episódio, unicamente, à sua mulher. Quando, no dia seguinte, Suter viu as suas terras, deparou-se com uma destruição total de todo o seu trabalho, em virtude de uma louca corrida ao ouro. Assim, o homem mais rico do mundo, como ele se denominava, tornou-se no homem mais pobre.

Andou anos pelos tribunais, queixando-se de ter sido espoliado dos seus bens, e sempre que o lamentavam, afirmava: “É a vida, e cada terra e cada homem têm a sua história ou sua lenda”. Anos mais tarde, os tribunais acabaram por dar razão à sua queixa. Quando descia as escadas do tribunal da Califórnia, foi vítima de um ataque cardíaco e ali faleceu.

Relembrando este facto que deu origem ao nascimento da grande cidade de São Francisco, na América, se recorda a frase de que qualquer lugar tem uma história. E, de facto, assim é.

Em 1930, veio viver para uma propriedade situada em Leça do Balio, chamada Quinta das Camélias, o embaixador inglês, à data, que tratava dos negócios da Inglaterra no Porto. Consigo, trazia a sua filha, Elaine Sanceau, a quem o povo chamava Miss Sanceau. Nascida a 25 de Julho de 1826, faleceu com 82 anos. Excepto por ocasião da visita que fazia à irmã, em Matosinhos, Elaine Sanceau não abandonava a sua adorável Quinta, e lá se fez uma grande escritora. 

Apaixonada pela História de Portugal, escreveu cerca de doze livros, no âmbito dos seus estudos sobre os descobrimentos portugueses. É autora, entre outras, das seguintes obras: D. Henrique, o Navegador, Afonso de Albuquerque, D. João de Castro, A Viagem de Vasco da Gama, D. João II, Capitães do Brasil. E sempre que alguém lhe perguntava como foi viver para aquele lugar, ela respondia que estava numa terra que, como todas, respirava história. À esquerda tinha a Quinta do Alão com seus belos jardins, atribuídos ao arquitecto que desenhou os jardins do Palácio de Cristal. Do outro lado, tinha o imponente Mosteiro. Um pouco mais acima, a Quinta do Chantre, obra atribuída ao grande arquitecto Nasoni. “Como vêm”, dizia, “a História está em qualquer lado”.

Do rei português D. João II, esta senhora inglesa disse: “A sua passagem pelo trono, embora relativamente breve, teve importância transcendente na história do mundo. O reinado de D. João corrigiu os erros que vinham de trás e preparou tudo para a futura era de glória”.

Era assim a escrita de Miss Sanceau, repleta de pormenores que, para muitos, poderiam ser secundários, mas que a escritora destacava como ninguém. Partiu da sua quinta para a derradeira viagem – o cemitério da Igreja Anglicana, no Porto.

Um poema de Castro Reis, homenageando a escritora, diz muito mais do que atrás ficou dito, e simboliza a minha homenagem a Elaine Sanceau...


Excerto de "Lendas do leito do rio Leça",
Custóias 23 de Abril de 2011
                      José Mendonça

3 comentários:

  1. O autor sabe muito e tem muito jeito para a literatura.

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  2. Parabéns!!! Um beijinho muito grande!!! Sónia

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  3. Parabéns Amigo Mendonça, muitos parabéns mesmo!!!
    Gostei muito do que li, tanto da forma como do conteúdo.
    Confesso que desconhecia completamente esta história de Elaine Sanceau, embora tivesse, em menina passado muita ez pela Quinta das Camélias.
    Obrigada por me dar a conhecer tudo isto.
    Também privei de perto, durante muitos anos, com o Poeta Castro Reis, com quem fiz uma boa Amizade e desocnhecia este seu poema de homenagem à escritora.
    Saio daqui mais rica! Obrigada por isso.
    Maria Mamede

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