Quando
começava a Primavera, aos domingos, iniciavam-se excursões rio acima, numa
traineira contratada aos pescadores da Afurada, que acoplavam dois batelões, um
de cada lado, e assim levavam o povo, rio acima, a dançar e a cantar até
Crestuma, alguns até à Régua.
Num
lugar muito conhecido, apelidado de Escócia,
passava-se a tarde em alegre convívio. Pelo fim da tarde dava-se o regresso. A
traineira acostava à Quinta dos Frades, do lado de Gaia (lugar onde foi
construída a Ponte do Freixo). Logo abaixo estava a Ponte Ferroviária D. Maria
e a Ponte D. Luís. Logo a seguir estava o cais das Padeiras, lugar onde
atracavam diariamente vendedoras de pão de Avintes e de broa de Avintes, pão
feito à base de castanhas.
Terminava,
assim, com uma alegria esfuziante o único dia de descanso que se tinha ao fim
de uma semana de trabalho de quarenta e oito horas.
Deocleciano Monteiro o "Duque da ribeira" |
A
Ribeira do Porto que hoje conhecemos, um belo local de turismo e lazer, também
teve fidalgo. Um pescador, homem simples e modesto, que muitas pessoas resgatou
do rio. Pessoas que procuravam a ponte D. Luís para se atirar ao rio.
Tratava
igualmente do arranjo das flores e das luzes das alminhas em memória dos que
morreram quando fugiam a caminho da Ponte das Barcas, perseguidos pelos
franceses. Ensinava ainda as crianças a nadar.
O
povo pôs-lhe o título de Duque da Ribeira. E não há coisa mais bonita do que a
atribuição de títulos nobiliárquicos pelo povo.
Cheia do rio Douro |
Quando
os Invernos eram rigorosos, e raras vezes o não eram, e quando, na Régua, o rio
galgava as margens e entrava pelos estabelecimentos, era dado o aviso para o
Porto: o Douro iria galgar as margens. Passadas umas tantas horas do aviso, era
ver os comerciantes e moradores das duas margens retirar os seus haveres para
os pisos superiores ou para casa de amigos. A Ribeira ficava deserta, com os
barcos a reforçar às margens suas amarras. As cargas e descargas paravam. Alguns
barcos de grande tonelagem e enormes mastros ancoravam em pleno rio, pois o
cais estava cheio. As carvoeiras já não subiam a Rampa das Corticeiras. Os
carros de bois, as carroças puxadas a cavalo e aquelas arrastadas pela força
humana subiam a Rua de S. João.
Recordo-me
que, certa vez, a cheia fez-se acompanhar de ventos fortes. O caudal e a
corrente tinham uma força tal que se pensou que as águas tocariam o tabuleiro
inferior da ponte, tendo os bombeiros aconselhado a reforçar as amarras dos
barcos fundeados e a abandonar as embarcações. Todas as tripulações o fizeram,
excepto um comandante. A cheia arrastou os barcos de grande porte pela barra
fora até ao mar, deixando-os à deriva em pleno oceano. Um dos navios encalhou
num pilar da Ponte da Arrábida. Quando se recuperou as embarcações após o tempo
amainar, encontrou-se o Comandante que se recusara a abandonar o seu barco, sem
vida.
José Mendonça
in Lembranças de um tempo já pessado
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