domingo, 19 de maio de 2013

A ribeira dos passeios, do seu duque e das cheias

Quando começava a Primavera, aos domingos, iniciavam-se excursões rio acima, numa traineira contratada aos pescadores da Afurada, que acoplavam dois batelões, um de cada lado, e assim levavam o povo, rio acima, a dançar e a cantar até Crestuma, alguns até à Régua.
Num lugar muito conhecido, apelidado de Escócia, passava-se a tarde em alegre convívio. Pelo fim da tarde dava-se o regresso. A traineira acostava à Quinta dos Frades, do lado de Gaia (lugar onde foi construída a Ponte do Freixo). Logo abaixo estava a Ponte Ferroviária D. Maria e a Ponte D. Luís. Logo a seguir estava o cais das Padeiras, lugar onde atracavam diariamente vendedoras de pão de Avintes e de broa de Avintes, pão feito à base de castanhas.
Terminava, assim, com uma alegria esfuziante o único dia de descanso que se tinha ao fim de uma semana de trabalho de quarenta e oito horas.
Deocleciano Monteiro
o "Duque da ribeira"

A Ribeira do Porto que hoje conhecemos, um belo local de turismo e lazer, também teve fidalgo. Um pescador, homem simples e modesto, que muitas pessoas resgatou do rio. Pessoas que procuravam a ponte D. Luís para se atirar ao rio.
Tratava igualmente do arranjo das flores e das luzes das alminhas em memória dos que morreram quando fugiam a caminho da Ponte das Barcas, perseguidos pelos franceses. Ensinava ainda as crianças a nadar.
O povo pôs-lhe o título de Duque da Ribeira. E não há coisa mais bonita do que a atribuição de títulos nobiliárquicos pelo povo.


Cheia do rio Douro

Quando os Invernos eram rigorosos, e raras vezes o não eram, e quando, na Régua, o rio galgava as margens e entrava pelos estabelecimentos, era dado o aviso para o Porto: o Douro iria galgar as margens. Passadas umas tantas horas do aviso, era ver os comerciantes e moradores das duas margens retirar os seus haveres para os pisos superiores ou para casa de amigos. A Ribeira ficava deserta, com os barcos a reforçar às margens suas amarras. As cargas e descargas paravam. Alguns barcos de grande tonelagem e enormes mastros ancoravam em pleno rio, pois o cais estava cheio. As carvoeiras já não subiam a Rampa das Corticeiras. Os carros de bois, as carroças puxadas a cavalo e aquelas arrastadas pela força humana subiam a Rua de S. João.

Recordo-me que, certa vez, a cheia fez-se acompanhar de ventos fortes. O caudal e a corrente tinham uma força tal que se pensou que as águas tocariam o tabuleiro inferior da ponte, tendo os bombeiros aconselhado a reforçar as amarras dos barcos fundeados e a abandonar as embarcações. Todas as tripulações o fizeram, excepto um comandante. A cheia arrastou os barcos de grande porte pela barra fora até ao mar, deixando-os à deriva em pleno oceano. Um dos navios encalhou num pilar da Ponte da Arrábida. Quando se recuperou as embarcações após o tempo amainar, encontrou-se o Comandante que se recusara a abandonar o seu barco, sem vida.


José Mendonça
in Lembranças de um tempo já pessado

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