Padre Américo |
Esse
Homem que começou por arrebatar crianças das ruas com entusiasmo,
convencendo-as a deixar a vida que levavam e acolhendo-as com o consentimento
dos pais. Assim fundou as Casas do Gaiato, que se fizeram por essas terras
fora. As crianças não iam contrariadas, mas sim sonhando com a vida mais útil
de que aquele sacerdote lhes falava. Lá aprenderam e de lá saíram carpinteiros,
electricistas, tipógrafos ou agricultores (alguns comigo trabalharam). Os
serviços diários estimulavam ainda o gosto pela cultura através do teatro.
Chegaram ao ponto de dar espectáculos no Coliseu, pelo menos uma vez por ano, e
de editar um jornal mensal onde todos tinham de contribuir com as suas
histórias, o seu dia a dia e as suas opiniões. As tiragens e os textos tinham
agradável procura.
Sem
subsídios de espécie alguma, este padre recorria ao que recolhia nos intervalos
das sessões de cinema, pois entendia que quem tinha dinheiro para ver um
espectáculo não o deixaria ir com os bolsos vazios.
Na
quinta de sua família, em S. Miguel de Ceie, criou campos de lavoura para
sustento dos que lá viviam.
Este Homem, que em vida
tudo deu pelos seus rapazes (Não há maus
rapazes, dizia amiúde) e nada quis para sim, mas apenas para a sua obra,
faleceu num desastre de automóvel, conduzido por um dos seus rapazes. O seu
funeral saiu da Igreja da Trindade e seguiu para a quinta dos Rapazes. Nesse
dia, vi o Porto vestido de luto. Uma cidade inteira chorou por um padre cujo
símbolo era o de sacerdote de batina e
uma criança pela mão. Milhares de pessoas concentradas no funeral de alguém
simples, numa época em que não existiam telemóveis, Internet e em que os
jornais eram pouco acessíveis.
José Mendonça
in Lembranças de um tempo já passado
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