sábado, 27 de abril de 2013

A adolescência (precoce) na década de 1940



Após a escola primária, começava um novo ciclo nas nossas vidas. A maioria ia trabalhar. Eu fui para rapaz de carniceiro, serviço que se resumia a receber encomendas de carne, que teriam sido entregues em cestas enormes e pesadas transportadas às costas. Eu arranjei emprego a cerca de cinco quilómetros de casa e, como outros, andava duas horas para ir e outras duas de regresso enquanto eléctricos passavam vazios, pois, do que ganhávamos, mal sobrava dinheiro para o custo do bilhete.

Era assim a vida dos mais desfavorecidos, que eram muitos. Bastava observar o movimento das pessoas a caminho do trabalho. Nas ruas cruzavam-se umas com as outras e conviviam a caminho do trabalho, tanto de dia como de noite. Não esqueço tantas mães que, depois de terem terminado o trabalho, ainda tinham pela frente os afazeres domésticos, marido e filhos, numa época em que não havia frigoríficos, fogões a gás, arcas congeladoras, máquinas de lavar e secar ou micro-ondas. Que força possuíam e que alegria teriam ao, após um dia de trabalho, dar um sorriso aos filhos e restantes familiares. Vi-o nos lábios de minha mãe e de imensas mães com um ou mais filhos. Isto numa altura em que, para a comida não se estragar, se amarrava panelas e tachos no fundo de um poço ou dentro de vasilhas com água.

Aos estudiosos passo a dizer que a semana de trabalho tinha uma duração de quarenta e oito horas. Uns anos mais tarde passou para quarenta e cinco, depois quarenta e duas e depois para quarenta. A licença de casamento era de três dias, depois uma semana e hoje é de um mês. As férias começaram por prever um período de três dias, passando depois para uma semana, duas semanas e, actualmente, cerca de um mês. Por tudo isso eu passei. Meu pai dizia que no tempo dele era pior.

Lembro este viver porque com a vida exaustiva que se tinha na época (felizmente já ultrapassada), o homem não dividia os trabalhos domésticos como hoje felizmente vejo fazer. Mas, aos domingos, levantavam-se cedo (sensivelmente à hora a que hoje muitos chegam das discotecas) para limpar as suas casas e a pé percorriam quilómetros, a caminho das festas como a de Santa Rita, Senhora da Hora e Senhor da Pedra, entre outras. Pelas minhas contas, do Porto a Miramar serão mais de dez quilómetros, que eram feitos com muita alegria.


Embora entenda que o tempo que se vive hoje é diferente para melhor, acho-o menos humano e, perdoem-me os que estão lendo estas linhas, vejo-o mais apressado. Quer-se ter tudo muito depressa, nem que para isso se tenha de atropelar alguém. Por outras palavras, não se espera; exige-se.



José Mendonça
in Lembranças de um tempo já passado

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