sábado, 27 de abril de 2013

Estimando e poupando o que tínhamos


O que tínhamos para calçar eram uns simples sapatos em pano que apelidávamos de sapatilhas feitas com um pano fraco em cor azul ou branca. Quando a unha do dedo do pé crescia demasiado e rompia o fraco pano com que eram feitas as sapatilhas, era certo e sabido que, no final do dia, tínhamos como castigo algumas bofetadas e a ordem de andarmos descalços até haver dinheiro para outras. Hoje, fico pasmado quando ouço um puto pedir ténis de marca quando os que tínhamos na altura, com aqueles trapos, já nos punha felizes. Tínhamos igualmente dois pares de calças de ganga, um dos quais guardado para os Domingos e que raras vezes era lavado, para não perder aquela cor azul forte com que vinha revestido. Quanto ao outro par, logo após a primeira lavagem ficava desbotado. Com as calças assim e com alguns rasgos, pode dizer-se que andávamos na moda de agora, pelo que não vejo razão para sermos castigados como éramos.
Assim se vivia na época da Segunda Guerra. Quantos morreram de fome, de frio e de tuberculose. Além da alimentação, quase tudo nos faltava. Havia umas senhas que mal davam para meio mês. Hoje vejo com imensa mágoa os contentores repletos de tudo que naquela altura tanta falta fazia.

Quando os ténis que nos davam se rompiam era certo e sabido que as solas em borracha eram aproveitadas, novamente cobertas com ganga na grorinha das sabatinas; os nossos ténis de marca.
Assim era com o resto. As camisas, por exemplo. Quando os colarinhos se rompiam, a parte mais gasta era virada para dentro e, nalguns casos, eram postiços. 

José Mendonça
in Lembranças de tempos já passados

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