sábado, 27 de abril de 2013

A escola onde aprendi as primeiras letras



A minha escola era um edifício antigo com cerca de dez salas e um grande campo que além de constituir um espaço de aula, facultava batatas, hortaliças e o mais que fosse preciso. Hoje em dia é onde se localiza o salão paroquial de S. Mamede de Infesta.

A cantina era abastecida com o que o campo nos dava e que belos almoços lá tinham, sempre feitos pela D. Deolinda Martins. Havia lugar para ricos e pobres. Só tínhamos de levar o pão. Além de cozinhar, a D. Deolinda Martins fazia a limpeza das dez salas e ainda tinha tempo de dar um ou dois pares de sapatadas ou de nos pôr a lavar a louça, ‘castigos’ que, passados todos estes anos, só dou por bem empregues, pois ajudaram-me a ser o homem que sou.

Cada sala tinha cerca de vinte e cinco alunos, num total de cerca de duzentos e cinquenta, uns de manhã e outros de tarde. As matérias que se dava na terceira e quarta classes eram o português, a geografia, a aritmética e as ciências do corpo humano. E olhem que tinha de se conhecer os rios e seus afluentes, os caminhos-de-ferro e as suas estações.

Os professores não eram assim tão duros como por aí se diz. Queriam, sim, educação, trabalho e atenção. E nós também assim o entendíamos. Não havia facas entre nós, mas sim camaradagem. Caso contrário, nossos pais completavam o que faltava com alguns açoites.

Os professores complementavam-se e as faltas eram mínimas. O meu professor chamava-se Rodrigo. Passados anos, mal me viu em pleno átrio da estação de S. Bento a caminho de Mafra, onde cumpria a vida militar, abraçou-se a mim e, num imenso calor humano, apresentou-me às pessoas, dizendo-lhes que o acompanhava o orgulho de me ter ensinado as primeiras letras e de ter sido meu professor na primária e no primeiro ciclo. Este homem amava os seus alunos e tinha orgulho neles.

Certa vez, ao queixar-se que a cana que tinha não atingia o lugar que queria, alguém ofereceu-se para lhe arranjar uma cana maior. E assim o fez. Tempos imensos passaram, imensas tropelias sucederam e não é que, por uma pequena asneira, quem ofereceu a cana foi quem a estreou?!

Era com pessoas desta têmpera que aprendíamos a ter respeito mútuo.

José Mendonça
in  Lembranças de um tempo já passado


Sem comentários:

Enviar um comentário