A
minha escola era um edifício antigo
com cerca de dez salas e um grande campo que além de constituir um espaço de
aula, facultava batatas, hortaliças e o mais que fosse preciso. Hoje em dia é onde se localiza o salão paroquial de S. Mamede de Infesta.
A cantina era
abastecida com o que o campo nos dava e que belos almoços lá tinham, sempre
feitos pela D. Deolinda Martins. Havia lugar para ricos e pobres. Só tínhamos
de levar o pão. Além
de cozinhar, a D. Deolinda Martins fazia a limpeza das dez salas e ainda tinha
tempo de dar um ou dois pares de sapatadas ou de nos pôr a lavar a louça,
‘castigos’ que, passados todos estes anos, só dou por bem empregues, pois
ajudaram-me a ser o homem que sou.
Cada
sala tinha cerca de vinte e cinco alunos, num total de cerca de duzentos e
cinquenta, uns de manhã e outros de tarde. As matérias que se dava na terceira
e quarta classes eram o português, a geografia, a aritmética e as ciências do
corpo humano. E olhem que tinha de se conhecer os rios e seus afluentes, os
caminhos-de-ferro e as suas estações.
Os
professores não eram assim tão duros como por aí se diz. Queriam, sim,
educação, trabalho e atenção. E nós também assim o entendíamos. Não havia facas
entre nós, mas sim camaradagem. Caso contrário, nossos pais completavam o que
faltava com alguns açoites.
Os
professores complementavam-se e as faltas eram mínimas. O meu professor
chamava-se Rodrigo. Passados anos, mal me viu em pleno átrio da estação de S.
Bento a caminho de Mafra, onde cumpria a vida militar, abraçou-se a mim e, num
imenso calor humano, apresentou-me às pessoas, dizendo-lhes que o acompanhava o
orgulho de me ter ensinado as primeiras letras e de ter sido meu professor na
primária e no primeiro ciclo. Este homem amava os seus alunos e tinha orgulho
neles.
Certa vez, ao queixar-se que a cana que tinha
não atingia o lugar que queria, alguém ofereceu-se para lhe arranjar uma cana
maior. E assim o fez. Tempos imensos passaram, imensas tropelias sucederam e
não é que, por uma pequena asneira, quem ofereceu a cana foi quem a estreou?!
Era
com pessoas desta têmpera que aprendíamos a ter respeito mútuo.
José Mendonça
in Lembranças de um tempo já passado
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