S. Mamede de Infesta |
Sinto
saudades daquelas quintas cheias de arvoredo e algumas em encosta e socalcos.
Estradas, algumas reais, como aquela por onde, um dia, passou Santo António, a
caminho de Braga. A noite aproximava-se e aí se fez um abrigo ou telheiro e, ao
lugar, onde se construiu uma linda capela, começou a chamar-se Santo António do Telheiro.
Saudades
de lugares, da ermida e suas belas quintas a caminho do rio Leça. Lugares dos
meus sonhos onde, pela estrada velha, que começa junto da capela da Ermida e
vai para junto das margens do rio Leça, à minha passagem, espreitava e
presenciava um homem martelando em cobre. Fazia-me confusão a utilização do
templo para aquele fim. Tempos depois, vi o proprietário cá fora, fazendo um
desenho que me pareceu ser o de uma mulher a carregar um fardo.
Correndo
com os meus colegas a caminho do rio, quais pardais à solta, voando com os
braços abertos, deixei-me ficar a ver este homem de bata cinzenta. Parei,
mirando-o. Quando se apercebeu da minha presença, perguntou-me o que ali fazia.
Ousei perguntar o que desenhava naquele cavalete (nome para mim então
desconhecido). Explicou-me com entusiasmo que tentava passar para a tela todo o
esforço que aquela mulher fazia ao carregar aquele pesado fardo, subindo a
íngreme ladeira. Fez-me confusão o laço que tinha na testa. Perguntei o que
essa mulher tinha na cabeça e o pintor explicou-me para que fim servia: o laço
que ia da testa ao meio das costas servia para segurar o pesado fardo que
carregava, ficando com as mãos livres para subir aquela imensa ladeira. Assim
me explicou o pintor o imenso esforço que aquela mulher fazia e que tentava
transmitir no esboço que eu ali via; o pesado fardo que tinha de carregar para
ganhar um dia de trabalho.
Lembro
este momento único, que se passou por volta de 1940 ou 1941, pois quem comigo
assim falou era, mais tarde o soube, nem mais nem menos o insigne, pensador,
escultor, cientista e pintor reconhecido internacionalmente, Doutor Abel
Salazar. Foi então que conheci essa grande figura de quem o povo, cujo esforço
e sofrimento humanos pela sobrevivência ele reconhecia, falava com respeito e
admiração.
Este
Homem era aquele Senhor a quem meu
pai se referia como figura reconhecida em Portugal e no estrangeiro e que,
embora tivesse o sobrenome de Salazar, era completamente contra o regime
ditatorial em que vivíamos.
Depois
da explicação dada pelo insigne professor lancei-me a perseguir os meus amigos
até ao meu rio Leça em cujas águas limpas, transparentes e embaladas por tão
lindas margens nos banhávamos, rodeados por barcos de recreio. E que alegria
sentíamos.
Camilo
Castelo Branco fala-nos nestes lugares (quão belos eles eram), onde se faziam e
apreciavam belas merendas em mesas e bancos em pedra, debaixo de grandes
árvores. Meu rio com belas levadas e belos moinhos, com pontes romanas, como a
Ponte da Pedra e a do Carro, sonhos que recordo com amor e saudade, dos lugares
onde nasci e me criei. Passado todo este tempo, vejo o meu rio transformado num
vazadouro.
Este
meu rio também se zangava e, no
Inverno, era vê-lo a galgar as margens e espraiar-se pelos campos, tal qual um
lago, chegando a transpor pontes.
As
belas tradições e os encantos nunca por mim serão esquecidos. E é com saudade
que recordo momentos da vida passados na minha
aldeia que é hoje cidade.
Sem comentários:
Enviar um comentário