domingo, 14 de abril de 2013

S. Mamede de Infesta

S. Mamede de Infesta

Nasci em S. Mamede de Infesta e hoje, passados estes anos todos, vejo com saudade a diferença daqueles lugares tão belos, cheios de quintas, campos e verdura. Que saudades, meu Deus… a terra onde fui criado e que me ajudou a ser o homem que hoje sou, a minha Sintra do norte, como cheguei a ler em livros escritos pela pena de Camilo, vejo-a hoje cheia de tanto betão!

Sinto saudades daquelas quintas cheias de arvoredo e algumas em encosta e socalcos. Estradas, algumas reais, como aquela por onde, um dia, passou Santo António, a caminho de Braga. A noite aproximava-se e aí se fez um abrigo ou telheiro e, ao lugar, onde se construiu uma linda capela, começou a chamar-se Santo António do Telheiro.

Saudades de lugares, da ermida e suas belas quintas a caminho do rio Leça. Lugares dos meus sonhos onde, pela estrada velha, que começa junto da capela da Ermida e vai para junto das margens do rio Leça, à minha passagem, espreitava e presenciava um homem martelando em cobre. Fazia-me confusão a utilização do templo para aquele fim. Tempos depois, vi o proprietário cá fora, fazendo um desenho que me pareceu ser o de uma mulher a carregar um fardo.

Correndo com os meus colegas a caminho do rio, quais pardais à solta, voando com os braços abertos, deixei-me ficar a ver este homem de bata cinzenta. Parei, mirando-o. Quando se apercebeu da minha presença, perguntou-me o que ali fazia. Ousei perguntar o que desenhava naquele cavalete (nome para mim então desconhecido). Explicou-me com entusiasmo que tentava passar para a tela todo o esforço que aquela mulher fazia ao carregar aquele pesado fardo, subindo a íngreme ladeira. Fez-me confusão o laço que tinha na testa. Perguntei o que essa mulher tinha na cabeça e o pintor explicou-me para que fim servia: o laço que ia da testa ao meio das costas servia para segurar o pesado fardo que carregava, ficando com as mãos livres para subir aquela imensa ladeira. Assim me explicou o pintor o imenso esforço que aquela mulher fazia e que tentava transmitir no esboço que eu ali via; o pesado fardo que tinha de carregar para ganhar um dia de trabalho.

Lembro este momento único, que se passou por volta de 1940 ou 1941, pois quem comigo assim falou era, mais tarde o soube, nem mais nem menos o insigne, pensador, escultor, cientista e pintor reconhecido internacionalmente, Doutor Abel Salazar. Foi então que conheci essa grande figura de quem o povo, cujo esforço e sofrimento humanos pela sobrevivência ele reconhecia, falava com respeito e admiração.

Este Homem era aquele Senhor a quem meu pai se referia como figura reconhecida em Portugal e no estrangeiro e que, embora tivesse o sobrenome de Salazar, era completamente contra o regime ditatorial em que vivíamos.
Depois da explicação dada pelo insigne professor lancei-me a perseguir os meus amigos até ao meu rio Leça em cujas águas limpas, transparentes e embaladas por tão lindas margens nos banhávamos, rodeados por barcos de recreio. E que alegria sentíamos.

Camilo Castelo Branco fala-nos nestes lugares (quão belos eles eram), onde se faziam e apreciavam belas merendas em mesas e bancos em pedra, debaixo de grandes árvores. Meu rio com belas levadas e belos moinhos, com pontes romanas, como a Ponte da Pedra e a do Carro, sonhos que recordo com amor e saudade, dos lugares onde nasci e me criei. Passado todo este tempo, vejo o meu rio transformado num vazadouro.

Este meu rio também se zangava e, no Inverno, era vê-lo a galgar as margens e espraiar-se pelos campos, tal qual um lago, chegando a transpor pontes.

As belas tradições e os encantos nunca por mim serão esquecidos. E é com saudade que recordo momentos da vida passados na minha aldeia que é hoje cidade.

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